Opinião/Editorial

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Opinião: 'A nossa saúde é a saúde do nosso cérebro' por Joâo André Sousa

O cérebro é a caixa-negra do nosso organismo. Vê, sente e regista tudo, a toda a hora e em qualquer lugar. Todas as nossas experiências e vivências deixam uma marca indelével neste órgão que sofre em surdina. Todos os excessos – na dieta, no tabaco e no álcool – e todos os defeitos – de atividade física, estímulo cognitivo, sono e interação social – são como areia na engrenagem que vai desgastando aos poucos a complexa máquina que é o cérebro. Deste efeito cumulativo resultam as doenças do cérebro que, em grande parte, são o corolário de vários erros sistemáticos que vamos cometendo. O sal que colocamos a mais na nossa comida, a tablete de chocolate que era só um quadradinho, o copo de vinho que afinal são vários ao almoço e jantar, o exercício físico que começa amanhã, o sono que vai ser reposto ao fim-de-semana, os medicamentos para a tensão alta que só são tomados na véspera da consulta. O cérebro não cai nestas mentiras e cobra-nos, com juros muito elevados e sob a forma de doenças graves (algumas incuráveis), todos os empréstimos de saúde que lhe fomos pedindo ao longo de décadas.
Hoje, dia 22 de julho, celebramos o Dia Mundial do Cérebro, precisamente com o tema “Brain health and prevention: protecting our future”. Importa, por isto mesmo, lembrar que a nossa saúde é tão somente aquela a que o nosso cérebro nos permitir. Este órgão é o nosso único garante de individualidade, autonomia e dignidade. É ele que nos torna únicos. Preservá-lo através de uma vida saudável é proteger o nosso futuro e o futuro de quem mais amamos. Porque, se não nos cuidarmos no presente, sobrará para alguém no futuro. 
Para mudarmos de vida e protegermos o nosso cérebro e o nosso futuro, ontem já era tarde. Mas nunca é tarde demais.

Dr. João André Sousa
Neurologista, Unidade Local de Saúde de Coimbra
Membro Sociedade Portuguesa do Acidente Vascular Cerebral (SPAVC)

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Opinião: 'É mãe de um atleta?', por Vítor Santos

Nos dias de hoje, cada vez mais são as mães a acompanharem os filhos na prática desportiva. Nos jogos essa presença é partilhada com o pai, mas nas atividades propostas pelo clube fora do campo (ações de formação, festas, manifestações de solidariedade, etc.) são as mães quem marcam a sua presença.
Nos jogos é normal assistirmos a uma mãe dar um grito e levar as mãos à cabeça quando o filho sofre falta. A sua reação é instantânea. Muitas vezes correm imediatamente para a linha lateral tentando comunicar com o filho. Porém, não é necessário nem desejável que o façam.
Naquele momento, ele tem a seu lado as pessoas que têm o dever e o direito de intervir: o massagista, o fisioterapeuta e o árbitro. Nem o treinador pode entrar no campo. Por isso, qualquer tentativa de intervenção dos familiares, neste caso da mãe, só faz ruído e transmite para dentro do campo uma fragilidade que o atleta (que é o seu filho) não tem.

Não subestime os seus filhos!
Eles são bem mais fortes do que pensa!

É seguro que o sentimento de mãe é ilimitado e este comportamento é compreensível dentro de certos limites, mas a criança/jovem que está em campo irá, em centenas de vozes que vêm da bancada, sempre reconhecer a da sua mãe. Dependendo de cada criança/jovem, porque cada indivíduo tem sensibilidades diferentes, estes podem ficar envergonhados e condicionados quando percebem que são objeto de uma angústia descontrolada. Um atleta reconhece-se pela sua tenacidade. Ora, esta só é alcançada se ele tiver autonomia e espaço para a construir.
Às mães, apelo a que não percam essa angústia, esse instinto protetor, mas que aprendam a proteger sem exagerar, transformando o vosso comportamento num motivo de orgulho para os vossos filhos. No final do treino ou do jogo, quando lhe derem um beijo, transmitam-lhe o quanto estão orgulhosas: "Estou muito orgulhosa de ti", "És forte meu filho" ou "Os atletas são assim como tu: valentes". Vão ver que ele já nem se lembra da dor que sentiu no jogo.
As mães colocam sempre mais a tónica na felicidade dos filhos, e bem, em vez de a colocar nos resultados imediatos. Sorriem por cada momento vivido pelo seu filho e incentivam-no a aprender com os erros e a saborear as conquistas. As mães são, entre os adultos, a melhor das fações.
As mães são de uma sensibilidade extrema e temos muito a ganhar com esse sentimento materno. Através delas podemos promover, mais e melhor, a ética e o fair play no desporto, que só trazem benefícios tanto para as crianças quanto para a sociedade como um todo. Na realidade, entendo que são as mães o principal veículo de transmissão dos valores da prática desportiva às crianças. Estes valores contribuem para o desenvolvimento de caráter e estimulam a disciplina, o trabalho em equipa, a resiliência e o respeito. Além disso, fomentam a integração social, proporcionando oportunidades de interação entre pessoas de diferentes origens e culturas.
Queridas mães, desfrutem dos jogos! Desejem que os vossos filhos sejam felizes no desporto não só quando tiverem a idade adulta, mas em todos os momentos, incluindo no presente. Usufruam de cada etapa. De cada momento. O futuro será o que tiver de ser, mas que seja construído sobre uma escadaria de experiências felizes, divertidas e enriquecedoras.
Obrigado, mãe! Todos os desportistas têm muito presente esta gratidão.

Vitor Santos
Embaixador do Plano Nacional de Ética no Desporto

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Opinião: 'Democracia e renovação do compromisso europeu' por Sofia Moreira de Sousa

Maio é o mês da Europa, assinalado em todos os países da União para celebrar a Declaração de Robert Schuman, então Ministro dos Negócios Estrangeiros francês, proferida a 9 de maio de 1950. É extraordinário pensar que cinco anos antes deste famoso discurso, a Europa estava ainda submersa na sua mais violenta guerra fratricida. Pensar que passado tão pouco tempo da Segunda Guerra Mundial, um ministro francês estava a estender a mão à Alemanha e a outros países que, ao longo de séculos e incontáveis batalhas, estiveram em lados opostos da barricada. Uma «solidariedade de facto» foram as palavras escolhidas por Robert Schuman nesta sua proposta de uma Europa «organizada e dinâmica», imprescindível para a «manutenção de relações pacíficas».
Desde então, o Dia da Europa simboliza a celebração desta paz, união, e do compromisso real com os valores que moldam o projeto europeu: o respeito pela dignidade humana, liberdade, democracia, e a promoção da prosperidade económica no âmbito de um Estado Social. Celebramos a União Europeia, garantindo que os seus valores continuam a ser colocados em primeiro lugar, refletindo sobre todo o caminho até hoje percorrido, mas também o que queremos para a nossa Europa no futuro.
Desde esse longínquo ano de 1950 que a União Europeia tem contribuído para a redução de disparidades e para a melhoria da qualidade de vida de milhões de pessoas, com a solidariedade entre países como pilar estruturante. Basta recordarmos o passado recente e a forma como superámos uma pandemia mundial, onde a União Europeia garantiu o acesso rápido de vacinas em condições de igualdade a todos os europeus. Onde graças aos fundos do «NextGenerationEU», conhecido entre nós como o PRR, aumentámos o investimento nas renováveis, no apoio social, e na digitalização.
Uma solidariedade que se estende além fronteiras: a União Europeia é um dos principais atores mundiais em ajuda humanitária e tem assumido um papel imprescindível na resposta à terrível situação humanitária que se vive em Gaza; ao mesmo tempo, enquanto a liberdade, a autodeterminação e a própria democracia continuam a ser ameaçadas pela brutal guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia, a União Europeia permanece ao lado do povo ucraniano e tem dado um apoio sem precedentes, acolhendo as famílias que fogem da guerra, apoiando as empresas e a produção agrícola do país, e fornecendo armamento e equipamento de proteção aos soldados ucranianos.
Portugal é um exemplo do progresso europeu em direção a uma sociedade mais próspera e justa. A adesão portuguesa à União Europeia trouxe avanços económicos, fundos comunitários, acordos comerciais e padrões ambientais. Contribuiu também para o reforço do  compromisso com os princípios democráticos, direitos humanos e participação cívica. Valores cuja celebração e defesa é ainda mais importante quando assinalamos os 50 anos do 25 de Abril.
Estas conquistas não devem ser dadas como adquiridas. As eleições europeias, a 9 de junho, são uma oportunidade para reafirmar o nosso compromisso com os valores que nos unem como europeus e para participar ativamente no futuro da construção europeia. Portugal tem tido baixas taxas de participação, mas este ano não há desculpas: podemos inscrever-nos no voto antecipado (na semana anterior) e pela primeira vez podemos votar em qualquer ponto do país e fora dele (nos consulados). Ou seja, mesmo que nesse fim-de-semana esteja fora, pode dirigir-se a qualquer mesa de voto mais próxima e exercer o nosso dever cívico sem necessidade de requisição prévia de voto em mobilidade.
Tal como Robert Schuman declarou, «a Europa não se construirá de uma só vez». Cabe a todos nós continuarmos a sua construção, votando no próximo dia 9 e trabalhando em união nos dias e anos seguintes, para que juntos sejamos mais fortes.

Por Sofia Moreira de Sousa, Representante da Comissão Europeia em Portugal

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Opinião: 'Jogar é fantástico', por Vítor Santos

Se o atleta, o treinador, o pai e todos os adeptos falam em jogar, em participar no jogo, porque o transformam logo na palavra ganhar?! Jogar é fantástico. Ganhar é uma consequência do desenrolar do jogo.
Jurgen Klopp elogiou recentemente Portugal pela sua formação. Pelo número de atletas de alto rendimento que estão nas melhores equipas do mundo. No entanto, são um número residual para aqueles que começam na base. E é na base que devemos trabalhar melhor. Não estamos a formar jogadores aos 8, 10 ou 12 anos! O desenvolvimento integral da criança é um dos assuntos mais importantes quando o tema é desporto. Ou seja, abrange a condição física, o potencial técnico, a capacidade ou competência mental e intelectual, entre outras dimensões que integram o crescimento humano.
Por isso, porque o interesse superior da criança deve vir sempre em primeiro lugar, há que mudar atitudes e comportamentos. A nível familiar, a preocupação com o sucesso dos filhos inicia-se cada vez mais cedo, sendo responsável pela criação de expetativas e pressões que deixam pouco espaço para a brincadeira. A cultura parental é de intromissão e busca do sucesso imediato. O resultado é sempre mais importante que o processo. Pois deve ser precisamente o inverso!
A nível dos clubes, as suas estruturas e os seus responsáveis devem instituir um espírito desportivo. No jogo, a vitória e a derrota estão sempre presentes. Mas é importante que sejam relegadas para um plano secundário de modo a promover o prazer de jogar, a saúde, o divertimento e a amizade.
Nós estamos, no mínimo, a formar adeptos. Melhores adeptos. No processo de formação, é indiferente se alguns vão ser jogadores, treinadores, jornalistas, médicos, motoristas, etc. Serão sempre melhores adeptos e profissionais com formação desportiva integral. Esta é a única certeza e é o princípio que nos deve guiar.
“A ELITE DA ELITE: jogadores que têm contrato de profissionais entre os 16 e 20 anos, 67% deles NÃO JOGAM FUTEBOL aos 21 anos”, Arséne Wenger (Chefe global de desenvolvimento de futebol da FIFA, janeiro de 2024).
Não podemos aceitar que os pais retirem os filhos do campo por estes não estarem a jogar a titular (o que quer que isto queira dizer), que agridam treinadores, que falem do que não sabem porque pensam que sabem (os pais resultadistas), que usem e provoquem violência verbal (ou outra) no seu meio. Comportamentos como gritar e utilizar palavrões com árbitros, insultar treinadores e atletas, pressionar os filhos criam um ambiente hostil e conflituoso que influencia o desempenho desportivo e acaba por resultar no abandono da prática da modalidade.
Que filho gosta de ver o pai ou a mãe a fazer figuras tristes? De ser motivo de chacota pelo seu comportamento? É embaraçoso para o filho, que além da vergonha própria ainda se sujeita a ser alvo de troça, nos balneários, pelo comportamento abusivo do seu progenitor.
A proteção dos filhos é um dever dos pais. No desporto como em qualquer outra atividade ou situação da vida. Quando permitimos que os nossos filhos se dediquem a uma atividade tóxica em que a violência, no mínimo verbal, é aceite com normalidade, estamos a contaminar todo o ambiente em que vivem.
A prevenção tem de ser sempre a nossa prioridade. No entanto, a punibilidade torna- se uma ferramenta necessária e urgente na intervenção. A Autoridade para a Prevenção e Combate à Violência no Desporto (APCVD) tem trabalho feito, que deve ser ainda mais divulgado. O Secretário de Estado da Juventude e Desporto admitiu, recentemente, que pondera pôr a Comissão de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ) a atuar! Os nossos comportamentos têm de ter consequências. Os clubes têm uma tarefa complicada pela frente pois dependem muito dos pais e sujeitam-se a perder muito por causa deles. Também têm de sensibilizar os seus próprios responsáveis para esta matéria, especialmente os treinadores. É importante instituírem regras e compromissos desde o início e não permitirem desvios comportamentais. Para os pais, porque não criarem “Cartas de Compromisso” que todos os pais têm de assinar antes da inscrição do filho? Ou organizarem sessões de esclarecimento? Ou estabelecerem um sistema de cartões (branco, amarelo e vermelho) para os pais, recompensando ou penalizando os seus comportamentos – e atribuírem prémios no final da época? Em caso de reincidência persistente no abuso comportamental, o clube deve considerar a medida de último recurso de recusar o atleta.
De uma vez por todas, temos de nos convencer de que nenhuma criança de 8 ou 10 anos, nenhum jovem de 14 ou 16 é um futebolista profissional! Pode ser um potencial futebolista. Mas até à última etapa, que é quase sempre a transição do futebol jovem para o sénior, tudo pode acontecer.
Clubes, Pais & Filhos Juntos, É O MELHOR.

Vítor Santos
Embaixador do PNED

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Opinião: 'O futuro é novo: Valorizar as competições locais e nacionais', por Vítor Santos

O futebol vive momentos de enorme mudança com a criação de competições e o aumento do número de jogos. A globalização chegou ao futebol e todos os dias temos jogos e mais jogos na televisão.
As federações nacionais e as associações regionais têm o desafio enorme pela frente de não permitirem que o futebol, na sua verdadeira essência, acabe. A importância das competições domésticas está a diminuir.
Os clubes vão ter de repensar o seu posicionamento. Terão de optar entre serem "apenas" laboratórios para formar atletas ou então polos dinamizadores de atividade social na sua aldeia, vila ou cidade através do futebol.
Portugal é um país estranho e com uma Liga Profissional condicionada por três clubes. Não existe respeito pelo adepto que vai ao estádio com os horários em que se realizam os jogos. Quem gosta de futebol está a abdicar do estádio em detrimento da televisão. Os estádios têm poucos adeptos porque é impossível a um farense deslocar-se a Chaves a uma segunda-feira à
noite! O próprio flaviense tem de se superar para, com o gelo transmontano, ir a uma noite de semana para o estádio!
A convicção que fica é de que, cada vez mais, estas decisões são tomadas em escritórios e não no país real. Que haja clubes sem dinheiro para pagar ordenados, em ligas profissionais, não parece ser um problema para quem gere a atividade. Já é uma tradição que herdámos do século passado. A verdade desportiva está em causa.
Só a ética no desporto de formação pode resolver estes problemas com uma formação integral dos desportistas. Podem não vir a ser jogadores de futebol, mas serão certamente melhores dirigentes, jornalistas, treinadores e, acima de tudo, serão melhores adeptos.
A ética desportiva diz-nos como se devem comportar todos aqueles que estão envolvidos na prática desportiva. A ética desportiva ajuda a prevenir a violência, a corrupção, a dopagem, o racismo, a discriminação e a xenofobia. Também promove a saúde física, o desenvolvimento das competências pessoais, interpessoais, sociais e cívicas, o respeito pelos outros e nós próprios, o respeito pelas regras e pelo bem coletivo, o respeito pela diversidade e a vontade de sermos bons anfitriões. A tudo isto temos de associar a modernidade, a economia local e o contacto social.
As confederações americana e africana precisam de palcos mediáticos e os clubes europeus ambicionam dinheiro. O Mundial de clubes serve estas causa em simultâneo. A Superliga serve os magnatas dos clubes. O futuro do futebol está a ser moldado por forças económicas e, à medida que enfrentamos essas mudanças, é crucial equilibrar os interesses comerciais com a preservação da verdadeira essência do desporto, mantendo-o enraizado nas comunidades que o tornam tão especial. Estas duas vertentes são complementares, mas as competições internas estão em desvantagem e os clubes vão ter de se reinventar e unir.
Para a imprensa local, uma parceria com os clubes de futebol dos campeonatos distritais pode ser uma excelente oportunidade para ambas as partes. O jornalismo desportivo nacional já não atrai leitores e os mais jovens nem querem saber. Se eles e os seus clubes passarem a ser a notícia, o cenário altera-se. Urge valorizar as competições locais.
A refletir.

Vitor Santos (Embaixador do Plano Nacional de Ética no Desporto)

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Opinião: 'Ausência de valores no desporto de formação', por Vitor Santos

Em todo o processo formativo dos jovens jogadores, para além dos conteúdos, conhecimento ou comportamento, é fundamental a relação que se estabelece entre o atleta e o treinador.
Na verdade, o treinador necessita de fomentar essa relação e o jovem jogador necessita de acreditar na mensagem do seu treinador.
Todos gostamos de ganhar. Como poderia deixar de ser? Mas as crianças e os jovens gostam de aprender. Aprender a fazer as coisas bem, para serem melhores quando forem grandes.
O processo é de complexidade crescente. Não podemos querer que aos nove anos se proceda como aos 17.
Sabemos que não é fácil dar as mesmas oportunidades a todos. Os dirigentes são exigentes. Esperam vitórias, para ontem, dos treinadores, o que é difícil de conciliar com o desejo de cada um dos atletas, que é entrar e jogar.
É injusto e desigual um desporto que só se afirma na glória de uns (os vencedores) e na desvalorização de outros (os vencidos). Quando os motivos principais que levam os mais jovens a fazerem desporto deveriam ser bem outros: aprender, saber fazer, desenvolver capacidades, saber ser e saber estar. Preparando o amanhã.
Em vez de se encorajar para a vitória, esta é tomada como a condição de tudo o mais. Como o objetivo absoluto. Criam-se as circunstâncias para que seja atingida à custa de outros valores e motivos de participação, que não são estimulados: o esforço, o empenhamento, a alegria e o prazer. Despreza-se a importância de fazer coisas bem feitas, de aprender coisas novas (as habilidades, as técnicas, as formas de entender o jogo e de o jogar), de fazer outros amigos e de ter novos companheiros.
Muitos sentem-se fora deste processo, excluídos. Por uma lógica de desporto que só valoriza a vitória, que faz da competição o centro de tudo, o foco de todo o trabalho, da preparação e que cria conflitos. Gostar de competir, gostar de ganhar tem o seu lugar, mas o desporto não se limita a esta ideia, estes princípios, estes valores. Ou melhor, à ausência deles.
Deixem as crianças e os adolescentes aprenderem a ser adultos, devagar. Deem-lhes espaço, autonomia, tempo e todas as condições que lhes permitam ser, estar, descobrir e experimentar. Jogando. Sem pressas de serem grandes num mundo tornado hostil. Jovens que já não têm tempo. Não repliquem os modelos dos adultos nos treinos e competições de iniciação e formação. Dizem que os bons treinadores são os que chegam às vitórias. Não aqueles que se empenham em criar uma escola, uma vivência mais humana do desporto, em que os jogadores, mais que o objeto, são o centro da atividade.
Esta deve ser a primeira e a última razão de ser do desporto. E por esse facto, os treinadores são os garantes de um desporto novo. Um novo desporto, no futuro, renovado, mais à nossa dimensão, mais humano. Um novo desporto justificado não apenas pela transmissão de uma cultura, o seu desenvolvimento, a busca de resultados e o progresso, mas também, e sobretudo, por valores pedagógicos e morais. Os mesmos valores que estiveram no ato da criação do desporto que temos. Agora menos visíveis, a exigir reflexão…
Porque são os “treinadores do ano” escolhidos entre os mais bem sucedidos, os que obtêm resultados? E não entre aqueles que constituem modelos de referência, de responsabilidade pedagógica e moral? Porque é que o sucesso como treinador de jovens (os critérios que determinam a avaliação de competência) depende mais dos resultados obtidos no presente e menos do número de desportistas que ajudam a formar e que atingem os estágios mais avançados da preparação desportiva, no desporto de alto nível?
As crianças e os jovens, em vez de serem encorajados a fazerem o seu melhor e serem compensados por o terem feito, são excluídos por não terem capacidades para o imediato. São excluídos de participarem naquilo que mais gostam. E acabam por abdicar do que os faz estar no desporto, numa equipa. Como poder só treinar, sem jogar? Como poder jogar só para o resultado? Qual o interesse, o sentido, de um desporto como este (se é que de desporto se trata)?
A vitória é o importante, e só têm reconhecimento os que dela participam. Está tudo errado quando assim é. Se a isto juntarmos a interferência dos pais durante os treinos e jogos (que é por norma bem mais negativa que produtiva), é assim o tipo de competição que temos nestes escalões e que está a matá-los.
Não admira que os comportamentos destas crianças e destes jovens sejam desviantes e agressivos.
Não compliquem, deixem as crianças fazer aquilo de que eles gostam. Deixem-nas jogar!
Feliz Natal.

Vítor Santos
Embaixador do PNED

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Opinião: 'O futebol não é apenas um golo espetacular', por Vítor Santos

O futebol não é apenas um golo espetacular, uma finta excelente ou uma defesa sensacional de um guarda-redes. O futebol é também a participação do adepto, a inclusão da comunidade e o cheiro da relva ou de um pelado molhado. O futebol é muito mais do que a perceção que se tem do jogo.
Participar num jogo de futebol tem de ser sempre uma vivência fantástica para os intervenientes, quer estejam dentro ou fora das quatro linhas.
O futebol é muito mais do que se vê. É uma experiência que marca qualquer criança. Uma memória que transcende a imagem e que perdura no tempo. É esta magia que nos move na paixão pelo jogo. É esta magia que temos de preservar.
A Autoridade para a Prevenção e Combate à Violência (APCVD) organizou em Viseu um notável Congresso que, para além de promover a segurança nos espetáculos desportivos, ressaltou a partilha de excelentes ideias e práticas que temos na hospitalidade. Foquemo-nos nesta. É de nos fazer pensar. Porque não sabemos nós o que de excelência temos?! Porque não existe jornalismo desportivo que faça reportagens sobre estes clubes, empresas, ações, etc.? Sobre este evento?!
O adepto esteve no centro de um painel em que foram debatidos casos práticos como o Ranking Puro Futebol - Liga 3 (FPF), Campanha de sensibilização “Sintam-se em casa”, Audiodescrição - relato inclusivo, entre outros.
O adepto de hoje quer uma experiência positiva. Não quer ir para um jogo conflituoso, perder um tempo interminável para estacionar, estar à chuva, não poder usufruir do bar por ser tudo muito vagaroso, etc., etc. E já existem respostas para estas situações que visam proporcionar ao adepto uma experiência feliz.
O Ranking Puro Futebol – Liga 3 (FPF) tem sido uma pedrada no charco. Cândido Costa é o embaixador desta liga e confessou-se apaixonado por ela. A verdade é que a Liga 3 parece uma ilha ali no meio das competições seniores.
O Caldas Sport Clube (CSC) é uma referência na arte de bem receber. Se, no distrito de Viseu, o Nespereira FC marca a diferença pela positiva e tem muito a ensinar a quem se diz grande, o CSC é já um marco no futebol nacional pela sua responsabilidade social e por se destacar ao longo da época desportiva nos valores do desportivismo, fairplay, respeito e paixão pelo jogo.
Orgulho é o que se vê nos olhos de quem veste as cores deste clube nas mais diversas funções.
A audiodescrição já existe em alguns jogos. A partilha do Pedro Lima, adepto invisual do F. C. Porto, foi especial. A energia do poder do desporto. A paixão pelo futebol. Estava lá tudo.
O Pedro mostrou-nos a sua força e a força do futebol. Muitos de nós não sabemos, nem queremos saber dos “Pedros”. Felizmente, hoje já existe audiodescrição em jogos e são estas vitórias que contam verdadeiramente.
E quanto à inclusão de adeptos com daltonismo? É verdade que já temos empresas a trabalhar com os clubes para proporcionar uma melhor leitura do espetáculo desportivo a adeptos daltónicos. Os casos de daltonismo não são raros. Em Portugal estima-se que 500 mil homens e 27 mil mulheres sofram dessa condição. Tê-los em conta é fazer com que o desporto e os seus valores sejam de todos e para todos.
Parabéns à APCVD por organizar este excelente congresso internacional em Viseu. Foi um evento em que se partilhou o que de melhor se faz. Um evento que valorizou o Desporto.

Vitor Santos
Embaixador do Plano Nacional de Ética no Desporto